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terça-feira, 31 de março de 2009

Marcas de guerra

Sem duvida os trinta anos de guerra deixaram marcas profundas e cicatrizes tatuadas no rosto fatigado deste povo, que maioritariamente ainda não adquiriu competências necessárias para poder sobreviver no dia a seguir a tormenta, mas que teima em encontrar mecanismos para se desenrascar dia após dia, porque aqui a vida é isso mesmo…um dia de cada vez e nada mais. Os angolanos que identifico em Lisboa ou Paris e até mesmo Londres, estão muito distantes destes que vislumbro neste quase país das oportunidades. Não sei se me tenho repetido ao abordar os temas mas é um bocado difícil manter o raciocínio neste turbilhão de incertezas e desorganização geral em que este quase país se encontra. Tudo tem um alto preço. Por vezes o preço é a própria vida que para uns nada vale e para outros tudo vale. Meu deus. Como chegamos aqui? E como sairemos desta fogueira das vaidades? Para mim, torna-se difícil não estranhar determinadas atitudes “normais” por aqui, quando está em causa uma vida humana. Só vejo egoísmo e ganância por todo o lado, só ganância, só egoísmo. Ah, afinal isto é africa e não me posso esquecer deste pormenor. Parece que em africa quem detém o poder a semelhança da vida selvagem, isto é, o mais forte acaba predominando sempre, seja ele bom ou mau, e por incrível que pareça e se não me falha a memoria histórica, os bons acabaram quase sempre assassinados, aniquilados, e os maus mais poderosos e donos de cada país com a cumplicidade de alguns senhores da guerra do nosso mundo civilizado.Mas nem tudo é mau, tão mau assim que nos possa hipotecar a esperança de um futuro melhor para nós. E quanto a isso nada melhor do que um passeio pela ilha, uma Cuca fresquinha no Bay in, uma tarde bem passada no Jango Veleiro com uns magníficos grelhados, um copito refrescante no Miami, a noite uma curva no Palos e uma dança caliente na Kianda, um karaokezinho no La Vigia, e uma visita ao meu kamba Pedro até ao Xiadinho, que é um encanto. Cinco estrelas para estas casas em termos de ambiente e acolhimento. Muita animação e desbunda total pela noite dentro com boa musica e tudo a rolar como manda o figurino. Uma boa kizomba, um zouk malandro e a coisa começa a bater forte. Tamos mesmo na banda…"

A magia e o encanto

Perde-se a magia e o encanto
Parece-me que o belo e encantado miradouro da lua perdeu a sua magia e ternura naturais tal qual uma criança perde o sorriso.

“ Naquela roça grande tem café maduro
E é o suor do meu rosto, que rega as plantações…”

O café, vai ser pisado…torrado, torturado…
Vai ficar negro, negro da cor do contratado!

A fuga dos musseques

Ao olhar para a Luanda diária é possível ver o corre-corre constante na busca de uma oportunidade para ultrapassar mais um obstáculo e conseguir alguns trocos no final do dia.Conseguir algum futuro e sair dos musseques repletos de lixo e miséria, fugir ao mosquito infectado de malária ou simplesmente evitar os inúmeros perigos que espreitam. Não se garante memso depois do registo eleitoral quantos milhões habitam luanda!Serão oito ou nove milhões? Falta acrescentar a invasão de emigrantes portugueses que todos os dias chegam em busca do El-dorado.Mas concerteza é gente demais para esta cidade; os carros proliferam (especialmente os jeeps de maior envergadura) à mistura com muitos Toyotas Hiaca pintadas de azuil e branco que acabam por ser os veículos que dominam toda a Luanda. Eles entram nas zonas onde o estrangeiro não consegue sequer imaginar existir. Miséria, muita miséria, e os portadores, os envenenados por essa miséria, eles estão entre nós. Combate-se este cenário deprimente e asfixiante com muita música e boa disposição. Os sorrisos e as conversas sobre os temas das músicas abundam e afugentam os pensamentos mais sombrios da mente. Que fazer? Chorar? Nã...o angolano não chora...canta a sua tristeza...amanhã será outro dia...a fé e a confiança num futuro melhor fazem esta Luanda andar. É inimaginável esta cidade que anda com um povo deprimido. Imaginem?! Todo este cenário dantesco com o semblante dos suiços. Seria concerteza apenas um espaço em Africa, nunca um país... Portanto, a música em luanda estará “sempre a dar”...Na berma das estradas, nos prédios, nas habitações, nos carros, nos telemóveis, na igreja...é difícil encontrar algum metro quadrado onde não se oiça música (nem mesmo na intimidade da casa de banho). O ritmo da música em alto som, marca o compasso e o ritmo de cada dia kizombando e sembando sem que alguém possa por em causa a felicidade estampada no rosto daqueles que passam, das crianças que correm para a escola e para casa, dos kandongueiros imperadores da estrada, das kinglas, das zungueiras, dos mutilados e daqueles que usam um uniforme com um dístico impresso e se dizem seguranças.

Congestionamento do Porto de Luanda

Nos passeios por Luanda ou mesmo quando nos aproximamos de avião de Luanda facilmente se constata as dificuldades de escoamento do porto de Luanda. Os inúmeros navios ao largo da baía aguardam pacientemente e com todos os custos adicionais possibilidade de atracar e assim esvaziar toda uma gama de produtos.

Congestionamento do Porto de Luanda

Nos passeios por Luanda ou mesmo quando nos aproximamos de avião de Luanda facilmente se constata as dificuldades de escoamento do porto de Luanda. Os inúmeros navios ao largo da baía aguardam pacientemente e com todos os custos adicionais possibilidade de atracar e assim esvaziar toda uma gama de produtos.

As filas de abastecimento de combustível

È tão difícil perceber porque é que um país produtor de petróleo tem tanta dificuldade em abastecer os postos de combustírveis destinados à população em geral; è comum ver-se postos de abastecimento encerrados ou sem gasóleo ou sem gasolina...e os que têm raramente têm filas onde podes demorar mais de 1 hora, seja de manhã, noite ou fim de semana. Será pelo facto de o fornecimento de combustíveis ser exclusivamente detido por apenas uma empresa? Será que esta empresa não dispõe de condições suficientes para satisfazer a procura no mercado que domina? A produção nacional não é suficiente? A justificação que se ouve na boca do povo prende-se com a inexistência de refinarias em Angola? Mas continua a não ser uma explicação plausível...

Kandongueiros

Kandongueiros
O calor que se faz sentir é insuportável, mesmo à noite.As temperaturas nunca descem os 30º centígrados e os níveis de humidade bastante elevados (80%) acrescentam à pele camadas finas de água. Este choque climático aumenta quando se fica retido no engarrafamento...um carro sem ar-condicionado em Luanda é um espaço de tortura. Mesmo com o trânsito literalmente parado os Kandongueiros parecem conseguir furar! As suas Toyotas Hiace pintadas de azul assemelham-se a plasticina, circulando por espaços mínimos. É quase certo que encolhem e mudam de forma para caber...mas por mais que se diga mal destes taxistas mangolês eles são elementos fundamentais na luanda sem transportes públicos. Em Luanda o povo que não tem carro ou boleia de amigos e familiares depende destes candongueiros para chegar. E com eles é sempre possível chegar até mais rápido do que com um condutor normal; o problema é caber nestas carrinhas quase sempre lotadas onde parece sempre haver espaço para mais um...alguns taxis já têm ar-condicionado mas mesmo assim viajar que nem sardinha em lata não é nada fácil. Mas a realidade é que as Toyotas Hiace estão sempre a rolar, 100 Kwanzas ou 200 Kwanzas (para as rotas masi distantes) a cabeça e “tem que emagrecer mana, emagrece pra kabere mais madiés, emagrece”, pois afinal de contas estão em causa mais de 1500 dolares semanais de lucro sem impostos. E entra mais um a juntar aos quase 20 que lotam por completo o Hiace de vidros partidos, com abraçadeiras a fixarem os tampões das rodas, completamente amolgado e a suspensão batendo e batendo. São Paulo, Maianga, Maculusso, Morro Bento etc, etc. pelos buracos, valas, crateras lunares, passeios ou em contra-mão mas sempre a facturar e acelerar. “Vamo fazere mais kumo então?”
Até há bem pouco tempo era impossível ver-se um único autocarro de transporte de passageiros nesta cidade de Luanda. Mas ultimamente, e com a vinda do Papa, vão aparecendo alguns que ainda tem os percursos vindos dos países de origem.Então é possível em plena Sagrada Família apanhar um autocarro que nos leva a Beijing ou a Santa Apolónia. Por 50 kwanzas tudo é possível, o máximo que pode acontecer é ir parar a outra província, mas “não há maka”.A pouco e pouco, e embora pareça não haver grande vontade de mudar este sistema de kandongueiros tem-se verificado uma redução do número de hiaces na cidade, em parte devido a alguns dos autocarros que já circulam, especialemente com a vinda de sua santidade o Papa.

sábado, 28 de março de 2009

Marcas de guerra

Marcas de guerra

Sem duvida os trinta anos de guerra deixaram marcas profundas e cicatrizes tatuadas no rosto fatigado deste povo, que maioritariamente ainda não adquiriu competências necessárias para poder sobreviver no dia a seguir a tormenta, mas que teima em encontrar mecanismos para se desenrascar dia após dia, porque aqui a vida é isso mesmo…um dia de cada vez e nada mais. Os angolanos que identifico em Lisboa ou Paris e até mesmo Londres, estão muito distantes destes que vislumbro neste quase país das oportunidades. Não sei se me tenho repetido ao abordar os temas mas é um bocado difícil manter o raciocínio neste turbilhão de incertezas e desorganização geral em que este quase país se encontra. Tudo tem um alto preço. Por vezes o preço é a própria vida que para uns nada vale e para outros tudo vale. Meu deus. Como chegamos aqui? E como sairemos desta fogueira das vaidades? Para mim, torna-se difícil não estranhar determinadas atitudes “normais” por aqui, quando está em causa uma vida humana. Só vejo egoísmo e ganância por todo o lado, só ganância, só egoísmo. Ah, afinal isto é africa e não me posso esquecer deste pormenor. Parece que em africa quem detém o poder a semelhança da vida selvagem, isto é, o mais forte acaba predominando sempre, seja ele bom ou mau, e por incrível que pareça e se não me falha a memoria histórica, os bons acabaram quase sempre assassinados, aniquilados, e os maus mais poderosos e donos de cada país com a cumplicidade de alguns senhores da guerra do nosso mundo civilizado.Mas nem tudo é mau, tão mau assim que nos possa hipotecar a esperança de um futuro melhor para nós. E quanto a isso nada melhor do que um passeio pela ilha, uma Cuca fresquinha no Bay in, uma tarde bem passada no Jango Veleiro com uns magníficos grelhados, um copito refrescante no Miami, a noite uma curva no Palos e uma dança caliente na Kianda, um karaokezinho no La Vigia, e uma visita ao meu kamba Pedro até ao Xiadinho, que é um encanto. Cinco estrelas para estas casas em termos de ambiente e acolhimento. Muita animação e desbunda total pela noite dentro com boa musica e tudo a rolar como manda o figurino. Uma boa kizomba, um zouk malandro e a coisa começa a bater forte. Tamos mesmo na banda…"

Kandongueiros

O calor que se faz sentir é insuportável, mesmo à noite.As temperaturas nunca descem os 30º centígrados e os níveis de humidade bastante elevados (80%) acrescentam à pele camadas finas de água. Este choque climático aumenta quando se fica retido no engarrafamento...um carro sem ar-condicionado em Luanda é um espaço de tortura. Mesmo com o trânsito literalmente parado os Kandongueiros parecem conseguir furar! As suas Toyotas Hiace pintadas de azul assemelham-se a plasticina, circulando por espaços mínimos. É quase certo que encolhem e mudam de forma para caber...mas por mais que se diga mal destes taxistas mangolês eles são elementos fundamentais na luanda sem transportes públicos. Em Luanda o povo que não tem carro ou boleia de amigos e familiares depende destes candongueiros para chegar. E com eles é sempre possível chegar até mais rápido do que com um condutor normal; o problema é caber nestas carrinhas quase sempre lotadas onde parece sempre haver espaço para mais um...alguns taxis já têm ar-condicionado mas mesmo assim viajar que nem sardinha em lata não é nada fácil. Mas a realidade é que as Toyotas Hiace estão sempre a rolar, 50 Kwanzas a cabeça e “tem que emagrecer mana, emagrece pra kabere mais madiés, emagrece”, pois afinal de contas estão em causa mais de 1500 dolares semanais de lucro sem impostos. E entra mais um a juntar aos quase 20 que lotam por completo o Hiace de vidros partidos, com abraçadeiras a fixarem os tampões das rodas, completamente amolgado e a suspensão batendo e batendo. São Paulo, Maianga, Maculusso, Morro Bento etc, etc. pelos buracos, valas, crateras lunares, passeios ou em contra-mão mas sempre a facturar e acelerar. “Vamo fazere mais kumo então?”
Até há bem pouco tempo era impossível ver-se um único autocarro de transporte de passageiros nesta cidade de Luanda. Mas ultimamente, e com a vinda do Papa, vão aparecendo alguns que ainda tem os percursos vindos dos países de origem.Então é possível em plena Sagrada Família apanhar um autocarro que nos leva a Beijing ou a Santa Apolónia. Por 50 kwanzas tudo é possível, o máximo que pode acontecer é ir parar a outra província, mas “não há maka”.Mas a pouco e pouco, e embora pareça não haver grande vontade de mudar este sistema de kandongueiros tem-se verificado uma redução do número de hiaces na cidade, em parte devido a alguns dos autocarros que já circulam.

sexta-feira, 27 de março de 2009

A coroação de Lueji Naweej

Contra todos os costumes tradicionais o rei das Lundas coroou a sua bela filha Lueji Naweej como rainha. Reconheceu na sua filha a força do amor...e corou-a mesmo contra a família mais directa. Este acto aumentou a rivalidade familiar obtendo-se logo à partida o abandono do reino das Lundas pelos irmãos de Lueji.

Tshibinda Ilunga

- Tshibinda Ilunga foi o grande amor da rainha Lueji...e eu serei o teu grande amor.
- Wayami...tal não é possível porque o meu coração já está tomado, talvez desde a Idade Média.
-Sou determinado. Não desisto com facilidade e prometo conquistar-te nas margens do lago Tanganyika. A beleza dessas paisagens do Congo não te deixarão indiferente...quem sabe não reconhecerás o espaço onde outrora vivemos uma bela história de amor...
- Admiro a tua imaginação
-Não é imaginação Lueji...um dia verás o que eu vejo e aí não só conquistarás o reino tchokwe mas também o reino dos Lubas.

Rainha de luz

-Foste tu a escolhida...sabias?
-Escolhida? Como assim?
-Foste escolhida pelos guradiões do reino para ser a próxima rainha...
-Eu...mas eu nem sei o básico dos costumes de cá...nem tchokwe domino com destreza...
-Mas, filha, a ti só te cabe aceitar...porque até agora nunca houve uma recusa...
-Mas...
-A recusa não pode existir...principalmente por ti filha. Porque este é o teu caminho. Se persistires a renunciar à tua missão na terra...a vida te passará ao lado. Sentirás sempre esse vazio que carregas porque renuncias ao teu destino. Não queiras ser aquilo que não és. Aceita simplesmente a verdade que tens dentro de ti. -Sei bem, que nos teus sonhos já nos viste a coroar-te...tinhas 16 anos...enviamos-te um mensageiro na mesma altura. Foste a escolhida...só esperávamos que chegasses até nós.Tanto que eu viajei ao teu lado...
-Mas...eu simplesmente vim à procura das minhas origens...nada mais...
-Procura bem dentro de ti...medita, sonha e visualiza com o coração. Tens a capacidade de ver com o coração...e é isso que faz de ti uma rainha da luz. Desde que nasceste que te temos acarinhado e observado evoluir...e tens aumentado, no teu dia a dia a tua capacidade de amar incondicionalmente. Moves-te pela intuição assim como a nossa rainha Lueji.
Minha filha, eu já não tenho muito tempo...
E tu tens de iniciar já o teu processo reconstrução do Império...e para isso tens de beber da nossa sabedoria.
Os nossos sobas estão velhos mas desejosos de te apresentarem o maravilhoso reino que guardaram para ti...
Bem-vinda filha à terra que te viu nascer...

Kalandula do Queve

De regresso ao Sumbe força o range rover a um pequeno desvio que aleva às cachoeiras do rio Queve. As energias da terra guiam-na até ao cenário ideal para o reencontro com o seu espírito perdido. Sim, terá de renascer...sim, poderá falar-se de um renascimento: sente-se mais mulher, mais rainha, mais ela própria. Contempla a sua face espelhada na água da chuva que se acumulou nesta gruta onde se encontra. Arrancou a pele tocada por Leão Magno. Arrancou os cabelos um a a um. E as unhas que guardavam os restos da suapele, arrancou-as com os dentes. Sangrou! Deixou-se cair sobre a poça de sangue. E sobre essa poça de sangue permaneceu até que ele secasse em si. Imóvel contemplou o passar dos dias dessa gruta escura onde se encerrou. Carpiu... E um dia acordou, para constatar que o seu cabelo estava mais brilhante que nunca. As suas unhas voltaram a crescer...A sua pele parece veludo de tão suave. Renasceu das cinzas. Renasceu da lama...e reencontrou-se. Mais mulher! Mas agora com asas..voa para fora dessa gruta que lhe serviu de refúgio. E esmagada pela luz do dia mergulha nesse lago que serve de base às cachoeiras de águas límpidas do rio Queve. O verde das árvores contrasta fortemente com o azul do céu.

Kianda - a cidade do caos e da banda

Olhei do avião e vi-te Luanda! Caótica e confusa…com os teus bairros; Saí do avião cheia de expectativas que partilhava com as minhas colegas de viagem. Na saída o bafo húmido e quente fustigou-me a alma. Senti-te Angola a entrar-me no sangue. Senti-te e assustei-me. Não sabia o que iria encontrar, não sabia se me iria adaptar a ti. Com os pés na pista de aterragem dirigi-me ao edifício onde uma longa fila me aguardava. O calor apertava e as minhas mãos tremiam de desejo de te conhecer. Mas havia toda este edifício cheio de truques e esquemas para ultrapassar. Tudo sugeria uma gasosa que eu me recusei terminantemente a dar. Um caos para capturar a mala. Valeu-me a Pedi ajuda a uma senhora que prontamente me deu a mão para contrabalançar o peso da mala que eu tinha de suportar por entre uma multidão que se apinhava na sala. Resgatei as malas e sem um carro de mão que me ajudasse a transportá-las dirigi-me à saída. Escusado será dizer que os meus saltos altos e a saia apertada não condiziam com o arrastar aflito das malas.Mas isto é Angola...

Kimbanda

Kimbanda

Olhou para o rio revolto enquanto as aves esvoaçam por entre os juncais das lundas. Consegue sentir o calor da terra vermelha nos seus pés descalços. O pano que lhe envolve o corpo não impede a passagem do calor...a necessidade de sombra leva-a a proteger-se numa clareira de mangais. No ar os relâmpagos anunciam a vinda de uma tempestade. As kissondes agitam-se para o interior das suas construções de barro e areia...é fabuloso ver estes morros numa paisagem livre de edificações...equivalem, no reino das térmitas a edifícios da altura das torres gémeas mas completamente percorridos por galerias que se perdem por túneis subterrâneos que ligam as diferentes termiteiras. Perde-se a espreitar por entre as galerias das termiteiras enquanto observa o movimento acelerado das kissondes que transportam...folhas, troncos, etc...alguns maiores do que elas.
O vento ruge com força levantando a poeira e folhas no ar. É visível ao longe na clareira os remoinhos de vento que sugam para o seu interior todos os objectos voadores....não arrisca ir até ao seu velho ">range rover que deixou estacionado a pelo menos um kilómetro dali. Deixa-se estar protegida no mangal...as gotas de chuva molham-lhe o pano vermelho com motivos africanos. Despe o pano e estende-o no chão onde se deita. Deixa-se estar a observar o céu e a chuva que cai. A sensação de liberdade é total. As trovoadas retiram-lhe qualquer sensação de protecção...mas não consegue ter medo. Não receia...sente-se viva. Sente-se aquela criança que adorava apanhar mangas à chuva em Calonda...apesar da chuva, o calor é imenso. Fecha os olhos para conseguir sentir o toque das gotas de chuva no corpo. Consegue por entre a chuva intensa aperceber-se do movimento lento de algumas gotas que lhe percorrem o pescoço vindas do cabelo. Concentra-se nesse deslizar enquanto a sua mente viaja para os beijos na nuca dados pelo seu Leão Magno. Sente um arrepio na coluna...é difícil conter a excitação. O frio na barriga não a deixa mentir-se a si própria. Ela ainda ama aquele homem. Enrola-se no pano e chora: quando é que eu vou esquecer este Leão Magno? Até que sente uma mão forte no seu braço.
- Moça tás mal? Grita-lhe aflito para ver aquele corpo inerte no chão levantar-se num ápice. enquanto prende o pano ao pescoço.
-Tava tudo bem até agora, ruge, enquanto olha para o homem completamente molhado que tem à sua frente.
-Pareceu-me que estavas mal?
-Não! Só estava a descansar debaixo desta tempestade...e até estava a gostar.
-Ah...ok. Eu vou andando então...estava aqui a pescar, mas já percebi que hoje não é um bom dia para a pesca. Vou andando para casa...E você? Fica por aqui à chuva?
-Sim...
-Então fica bem...mas se quiseres dou-te boleia até ao teu jeep. Vi um carro estacionado na beira da estrada e ainda é bem longe para ires daqui. O meu nome é Wayami...e o teu?
- O meu é Lueji.
-Como a rainha?
-Sim...sou uma das suas descendentes...
-oh...que curioso...eu sou descendente do rei tchimbinda...
-Sério? Sabes que eles casaram?
-Sei, sim...
-E por acaso o encontro deles foi muito semelhante a este...ele estava a caçar e ela em lazer.
-Adoro este tipo de coincidências. Fazem-me crer que estou no caminho certo. Penso que são mensagens dos meus protectores.
-Protectores?
-Sim. Eu sou kyoka amigo...acredito no sobrenatural!
-Eu sou baluba...e acredito no natural...diz a rir-se. Oh rainha, ajuda-me a levar o material da pesca...até ao carro. E eu compenso-te com uma boleia...sei que os kyokas são orgulhosas. Não gostam de pedir favores...
-É a primeira vez que me dizem isso...tinha de vir de um tchimbinda(burro)...

Quixiquila - a lei da partilha


Tenta adormecer em vão. O ar-condicionado não funciona e o calor no quarto é sufocante. Pensa em ler mas a ausência de electricidade impede qualquer actividade. Aproxima-se da janela e apesar de lhe apetecer ficar sentada na varanda não consegue ignorar a nuvem de mosquitos que sente zumbir do outro lado. Deita-se na poltrona enquanto olha para o céu estrelado. Sente pena de não perceber mais sobre estrelas e constelações. Gostava de conseguir identificar os conjuntos estelares que vê. Era mais uma ciência que poderia aplicar à sua teoria das coincidências.... Olha para o relógio que marca 11h11 e sente-se cada vez mais desperta. Apetece-lhe ver gente, cansar-se um bocado e talvez no bar tomar um amarula com gelo. Quem sabe não aparece alguém interessante para conversar... começa a despir a camisola da noite para colocar um vestido preto simples por estrear.. o vestido que comprou para levar a um jantar com Leão Magno e que nunca se tornara realidade. Retira o vestido do armário e atira-o sobre a cama. Era a sua cara, mas a leve ligação ao Leão retirava parte da beleza do vestido...quando passa perto da portada que dá para a varanda repara num vulto que espreita para o seu quarto. Dá um berro, e corre para a cama enquanto se esconde por detrás do vestido...todo o seu corpo estremece. Volta a olhar para a portada de vidro...e apercebe-se que o vulto permanece colado à portada enquanto bate cuidadosamente no vidro. Parece-lhe reconhecehecer o Wayami...Respira fundo e espera que as pernas recuperem a força. Refeita do susto aproxima-se da portada com as sobrancelhas bem franzidas.

-Quem é? – grita com uma voz forte e agressiva....

-É o Wayami...por favor abre!

-Wayami? Mas que queres tu? Só porque me deste boleia não tens o direito de me vir incomodar...-Que se passa? Porque estás despido?

-Uma longa história...mas por favor ajuda-me. Deixa-me entrar...

-Entra...tenho ali uma t-shirt que é capaz de te servir...

-Deixa estar...prefiro antes o pano que tinhas hoje.

-Boa ideia...toma...tapa-te lá e explica-me o que se passa?

-O que se passa? Eu estava simplesmente no quarto com uma amiga e a parva da minha noiva decidiu aparecer...e eu para evitar um escândalo saltei para esta varanda...

-Ah...foi isso...por uns instantes pensei que fosse algo grave. Se eu soubesse que era isso tinha-te deixado na rua.

-Não tinhas não...

-Oh querido baluba...terias ficado sim. Mas já estas ca dentro...e eu estava de saída...vou tentar encontrar alguém interessante lá em baixo. Parece que o gerador ao menos funciona para as áreas comuns do hotel.

-Ok amiga. Obrigado pela compreensão...Compreensão pensava Lueji? Ela não nutria qualquer simpatia pela sua causa. Apenas teve o azar de abrir a porta. Alguma vez iria ter compreensão para com um machista...poligamia...já lhe chegava ter sofrido por um palerma desses...

- Desceu as escadas até ao hall de entrada e sentou-se no bar...pediu uma amarula e colocou o livro sobre a mesa. O título do livro ajudava a dissuadir os predadores da noite... “Homem trás azar se fosse nós”.

No balcão uma rapariga bebia whysky cola enquanto a sua sandália saltava nervosamente no pedestal do banco. Onde é que ele anda? Pergunta ao barman que olha atónito para todos os cantos e suspira. Já fui ao quarto dele e do pai dele e nada. Onde anda ele?

-Não sei menina.

-Ele disse que estava à sua espera e que não demorava muito.