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sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O dia em que o Pato Donald decidiu comer a Margarida de João Melo





"Ridendo castigat mores", a rir se castigam os costumes reza em latim a alusão aos autos de Gil Vicente. Castigar costumes e personagens-pessoas, num ambiente literário irónico e mordaz, é a proposta de João Melo no seu livro de contos: "O Dia em que o Pato Donald comeu a Margarida pela primeira vez".

Um título diferente mas adequado aos contos em torno de Patos Donalds que buscam a(s) Margarida(s) a todo o preço! O desejo de "amor", incutido pela Walt Disney desde a mais tenra idade, é substituído pelo desejo de "possuir o amor" a qualquer preço. Há Patos Donalds enganados, "canalhas" e à procura de um grande amor. A Margarida transformada numa Madalena contemporânea, vive ao ritmo dos ataques donáldicos. Ora "cabra", ora "puta", ora "inacessível" é a eterna condenada num mundo onde o homem detentor do poder económico dita as leis e a moral. Num mundo onde tudo é vendável, até a "Noiva de Deus", estranho é a fidelidade post mortem da tia Holy.

Num contexto multicultural e multicolor, de patos revolucionários e contra-revolucionários, reflecte-se o tema das raças, da "cor" e do ser genuinamente angolano. No aprofundar desse assunto o narrador apresenta-nos a tese:"A importância do factor cromático no equilíbrio da literatura e da nação" de um autor angolano ainda à espera de um prémio. "Talvez por não ser branco ou mestiço?"

Num conjunto de contos que parecem desarticuladamente compor um romance sobre a realidade contemporânea angolana, todos perdem...Das cenas chocantes e talvez próximas da realidade, o narrador toma as vezes de Pilatos e lava as mãos de qualquer culpa formada. O autor vê-se obrigado a assumir a narração e relata os tais (des) factos, como por exemplo, os célebres episódios de uma Independência Anunciada.

Em Histórias onde os extremos se tocam, "entre sangues e risos", "ameaças e promessas" ressalva-se a importância de saber:
"Se um pato colocar um ovo na fronteira entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, a quem pertence o ovo?".

Ovos à parte, a dúvida permanece: "Quem comeu quem neste romance?"




Um livro que vale a pena ler, pela profundidade e capacidade de remexer visceralmente até o mais pacífico dos Patos Donalds.

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