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sábado, 20 de julho de 2013

E depois? Carta a minha avó by Lueji Dharma

A vida corre no ritmo dela. E nada acontece como a minha avó me ensinou. Morre-se muito mais. Bebe-se mais. Fornica-se mais. E a minha avó nada me disse sobre estes assuntos. E depois?

E depois avó é que eu não sei como reagir. Ensinaste-me a rezar às noites enquanto aquecia os meus pés nos teus. Mas não me ensinaste a contornar esta erva que cheira neste bar. Não me ensinaste a vêr meninos na rua a cheirar gasolina e a dançar ao som da alucinação. E depois?

E depois avó é que eu oro ao anjo da guarda como me ensinaste e ele protege-me mas não protege esses outros perdidos nas avenidas largas do alcool, sexo, droga, prostituição e corrupção. Esqueceste avó de me ensinar a rezar para os anjos da guarda dos outros. E depois?

E depois avó é que eu só quero me divertir também mas não consigo festejar sobre os corpos que se amontoam nesta rua de perdidos. Porque não me ensinaste a indiferença avó? E depois?

E depois avó eu acabo não sabendo viver neste mundo que pintaste como sendo perfeito para aqueles que estudam, se comportam e confiam em Deus. Avó aqui na tua campa venho dizer-te que o mundo é cruel e que o mundo é dos espertos. Avó os que vivem na humildade acabam pisoteados e humilhados. E depois?

Avó não sei se o teu mundo era diferente do meu, mas neste avó, o vermelho do verniz e do batom é mais importante que um rosto lavado e uma educação de donzela. Avó aqui sobe-se na horizontal e não na verticalidade do carácter. E depois?

E depois é dificil ser deste mundo depois de ter tido uma avó como tu. Ainda me lembro do quadro do anjo da guarda protegendo a menina naquele bosque frio e repleto de perigos. Aquele quadro que tu me ofereceste continua aqui pendurado neste meu quarto sem paredes. Aquele anjo continua com as suas asas sobre esta menina. Ele tem sido fiel avó. Mas avó a verdade é que eu estou neste mundo e tu já partiste. Eu fico por cá relembrando a tua trança, os teus bolos, os teus remédios caseiros e os teus ensinamentos. Mas pouco resta desse teu mundo neste meu universo de Luanda. E depois?

E depois avó eu não cozinho. Acreditas? Tu que me ensinaste tudo e a tua neta não sabe cozinhar ou não quer saber. Avó e nem sei bordar como tu. Nem tenho interesse em costura. Mas queria dizer-te que a minha cozinha virou bliblioteca. Eu cozinho livros avó e textos sem jeito. Avó havias de achar-me estranha. E sabes avó... ainda não casei e tenho uma filha. Oh crime! Sei que deves achar um ultraje uma mãe solteira. Mas avó não suportaria ter um marido como o teu. Que nunca estava lá para ti e só se preocupava em vir para casa comer para regressar à roda dos amigos no bar da Eira. Lembro-me avó de como esperavas horas pelo seu regresso, sem reclamar e sempre amável. E depois?


E depois avó a tua neta reclama, exige um tratamento igual. Exige amor e por vezes esquece-se de dar. É verdade avó, haverias de me achar uma dessas mulheres modernas que não deixavas entrar em tua casa. Lembro-me de quando mandaste a tua futura nora ir lavar a cara à "levada" para retirar a maquilhagem. Associavas a pintura à putaria. Pois olha avó, eu tenho toda uma colecção de maquilhagem. Não uso muito, mas gosto do efeito e da beleza artificial. Será que não me deixarias entrar em tua casa mesmo sendo tua neta? Sei que me mandarias lavar a cara... mas avó os tempos são outros. E mulheres como tu hoje são raras. E mulheres como eu também. Mas somos raras e ao mesmo tempo diferentes uma da outra. Mas eu vim de ti... e não me esqueço. E depois?

E depois eu não quero saber. Só sei que o teu quadro do anjo da guarda portegendo uma menina, a tua menina, continua firmemente pregado à minha alma. Carrego-o sob a luz do meu olhar e da minha mente. Avó quis apenas falar contigo porque senti uma saudade de viver contigo o teu tempo. Mas aqui na tua campa vejo que o teu tempo morreu. Restou apenas o anjo da guarda que me acompanha e que muito te agradeço. Aqui de joelhos as lágrimas encerram o teu tempo numa memória que desaparece todos os dias. Avó já não sou uma menina. Sou uma mais velha, mãe e profissional. E mesmo assim tenho saudades dos teus bolos e biscoitos. Ai avó, o chá de erva princípe (caxinde) com os teus bolos. Que saudade avó. E o teu doce de gila ou de "buganga"? E depois?

Avó tenho saudades e daqui deste mundo onde tanto faz com quem se dorme, o que se bebe, fuma e faz, mando-te um abraço maior que o amor do king kong... eu te amo avó! E nunca me esqueci de rezar ao anjo da guarda...

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