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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Viagens no Kuduru






O Kuduro é um estilo artístico único que condensa dança, música e textos da cultura mangolê num produto integralmente angolano. Desde que se mantenha o quadril firme (ou seja o cú-duro), e se eleve o corpo acrobaticamente ao som da música de forma arritmada e descoordenada quase desafiando a gravidade e a dor física, estamos a falar da dança Kuduro. Um género de dança que parece invocar um transe característico das danças ancestrais dos jovens guerreiros, ao mesmo tempo que bebe nas culturas ocidentais do ghetto americano (break-dance e rap). Primeiro estranha-se e depois entranha-se na invulgar batida tecno com os ritmos tradicionais de Angola, na dignidade da diferença, no improviso, na crónica do quotidiano mangolê…
O seu início prende-se com Tony Amado, que mistura ritmos de semba com o tecno e o house music americano, mas também, sungura, kilapanga e samba nevegando sempre sempre numa coreografia. No seu percurso artístico este Rei do Kuduro, acaba por dividir o trono primeiro com o produtor musical Ruca Van-Dunem e, posteriormente com o entertainer e intérprete Sebem.
Deste triunvirato temos a registar os seguintes discos:
-“Tony Amado e os seus Mutchachus” onde se ressalta os temas “Sinha Xica da Silva”, “Contratador” e o famoso “Jacobino” cantado por Sebem.
Sebem acaba por lançar mais tarde o tema a “Felicidade” cujo refrão “A Felicidade Todos Nós Queremos” correu o mundo, transformando-o num músico ouvido mundialmente; O Coveiro Filipado e tua Boca é esquadra são títulos que se seguem.
Nestes 20 anos o Kuduro percorreu mundos sendo um estilo cada vez mais dinamizado em comunidades emigrantes de angolanos com especial destaque para Portugal e Brasil. Em Portugal há a registar os Buraka Som Sistema com um género de Kuduro mais sofisticado e que conseguiram enraizar no contexto europeu o gosto por este género musical. No Brasil o Kuduro ganhou repercussão pela mão de Dog Murras e Carlinhos Brown.
Hoje em dia o Kuduru já é aceite como símbolo da cultura angolana e embora popularizado primeiramente entre as classes mais desfavorecidas atinge já todas as classes, bem como um público internacional. Recentemente no programa Divas de Angola da TVZimbo a kudurista “Noite e Dia” foi homenageada pelo seu percurso artístico e musical, ajudando assim a colocar o Kuduru num patamar de igualdade com os outros géneros musicais.
O Kuduro por ser um fenómeno cultural, mas também social, que quase sem explicação ultrapassou largamente as fronteiras dos musseques plenos de betão, pobreza e lama, despertou a curiosidade do mundo cinematográfico em filmes como “Kuduro;Há fogo no musseque” de Jorge António, “A Guerra do Kuduro", de Dito e “Luanda, fábrica e musica” de Inês Gonçalves e Kiluanje Liberdade. A curiosidade, criatividade e dinâmica do Kuduro leva a que muitos realizadores/jornalistas façam esta incursão nos musseques de Luanda, verdadeiras “fábricas de música e dança” em busca das suas referências históricas e da sua estética musical e coreográfica.
O seu discurso arritmado e pouco musical permitiu aos kuduristas expor as suas preocupações referentes aos bairros onde viviam e às dificuldades do seu quotidiano diário. Nesta vertente mais musseque-Kuduro destacam-se os famosos Lamba, Noite e Dia, Salsicha, Vaca Louca, Vagabando, Puto Lilas, Puto Prata, entre outros não menos importantes.
Neste percurso e por o Musseque ser uma área pobre de periferia, o Kuduro acaba por estar também associado a textos de reivindicação, textos com calão agressivo, textos com ligações a um mundo da criminalidade entre grupos e bairros rivais. A utilização deste veículo musical para duelos com outros gangs, apresentando letras pesadas, plenas de ameaças e obscenidades, fez com que houvesse por parte da população e entidades públicas uma condenação do Kuduru pela violência e pela ausência de valores éticos traduzidos nas suas letras.
Uma das curiosidades do mundo kuduro prende-se com o facto de muitos destes kuduristas serem os seus próprios produtores; e embora, esta música não fosse habitualmente tocada em rádios oficiais tornou-se conhecida por estar presente na boca e nos rádios do povo. Um dos veículos de dinamização e contaminação do kuduro foram também os célebres kandongueiros e os caldos de fim-de-semana.
Ainda neste contexto pode-se referir que há expressões que ficaram eternizadas:
“tá malaiko”,“vou te bater”, “sele mama”, “tou a vir”, “do melindro”, esta última associada a uma nova coreografia lançada pelo musico Agre G e já assumida como um símbolo da cultura Angola.
Em resumo pode-se referir que o Kuduro é um género artístico numa mescla espontânea entre o ancestral africano e os ritmos ocidentais, emergente num contexto social de musseque de onde retira a inspiração para as suas letras. E é neste percurso espontâneo e natural que o Kuduro se tornou num estilo de música internacional símbolo da criatividade e identidade angolana, em especial, a dos musseques e das periferias urbanas.

3 comentários:

Unknown disse...

Olá Lueji!
Me chamo Renata e sou graduanda em História no Rio de Janeiro - Brasil. Estou pensando em fazer minha monografia sobre os musseques de Luanda. E, achei sua postagem muito legal, fiquei interessada em ver esses filmes que você cita, em especial o Luanda - Fabrica de Musica, já li outras matérias sobre esse filme que me chamaram a atenção. Desculpe-me pelo incomodo mas, você tem idéia de onde eu possa conseguir esses filmes? Passei um pouco pelo seu blog e gostei muito. Parabéns. Um abraço.

Unknown disse...

Olá Renata...eu conheço o realizador desse filme (meu amigo)! Já falei com ele e autorizou a dar o contato. No entanto, não tenho o teu contato...diz-me qualquer coisa (e-mail: ccamara100@hotmail.com)

Unknown disse...

Muito Obrigada. Vou fazer contato por e-mail. Um abraço.