domingo, 30 de junho de 2013
Entrevista a Leif Biureborgh - Parte II
LEIF BIUREBORGH
Sobre a entrevista de Leif a Savimbi no Moxico
Sei que teve oportunidade nesta sua longa carreira em Angola de visitar e falar com o Savimbi. Como se deu esse contacto?
Como jornalista internacional a Unita aceitou que Savimbi me desse uma entrevista; para tal, teria que me deslocar à base do Moxico.
Viajei de helicóptero até à base, e à saída fui imediatamente revistado e questionado sobre os documentos do MPLA que trazia na pasta. Questão facilmente ultrapassada dada a profissão que exercia, que tem de se munir de informação proveniente de diversas fontes.
Fui informado que Savimbi estava muito doente com malária, mas que iria receber-me decorrendo o encontro em francês. Apercebi-me que no acampamento se encontrava uma jornalista da Agência Francesa.
Como decorreu a entrevista na Base do Moxico?
Correu bem; e eu aproveitei para colocar questões que estavam na altura em cima da mesa, o apoio de Portugal à Unita demonstrado num conjunto de cartas publicadas na revista África 01 e a luta contra o apartheid que decorria na África do Sul.
Quando questionado sobre este patrocínio de Portugal uma vez que a Unita era um movimento de luta armada contra o colono, ele não se pronunciou, denunciando um silêncio que demonstrava não se tratar de uma falácia.
Assim, facilmente depreendi que Savimbi era um elemento colocado no território angolano para proteger os interesses de Portugal e também promover o combate ao MPLA.
E a ligação com o regime do apartheid da África do Sul?
Tive oportunidade de tentar indagar sobre a sua posição relativa ao regime do apartheid e à situação difícil que os negros estavam a viver. E surpreendeu-me ouvir um simples lamento ao invés de uma condenação veemente que era o previsível num líder africano contra o poder colonizador.
Senti por isso, a preparação de uma aliança estratégica com a África do Sul e surpreendeu-me esta falta de coerência.
Qual a sua opinião sobre Savimbi?
Savimbi utilizava um discurso com citações de Lenine sem uma estrutura de pensamento próprio; no fundo, os seus discursos eram uma colectânea de peças sem um fio condutor. Quando fui ouvido no Pentágono, afirmei que Savimbi era um manipulador nato com graves desvios psicopatológicos, o que se veio a comprovar pelas atrocidades que ele cometeu contra o seu próprio povo, em especial mulheres e crianças.
Ele lutava pelo poder e por si próprio, e para tal, usava todo o tipo de meios e instrumentos. Qualquer ajuda, mesmo do inimigo, era bem-vinda.
Assim, nos discursos atacava as burguesias e as raças de menor expressão numérica porque lhe interessava as massas para o seu plano de poder. Não porque quisesse o melhor para elas. É evidente que alguém que exige dormir com a mulher dos seus seguidores, que mata por não aceitar divergência, que tortura amigos e familiares não pode desenvolver empatia ou preocupação pelas massas.
À saída da Base após a entrevista?
Talvez pelo teor das minhas questões ou por algum tipo de postura corporal que indiciasse a reprovação da sua conduta senti um ambiente muito pesado e uma mudança súbita relativamente à minha presença.
Comecei a ansiar pela vinda do helicóptero que estava marcada para as 17h00, pois receava qualquer tipo de retaliação caso pernoitasse no acampamento, pois sabia que o perfil de um psicopata não é de confiança dadas as alterações de humor drásticas. Pelas 17h00 em ponto estava a entrar no helicóptero.
O antigo Ministro dos Petróleos de Angola que frequentou a escola com Savimbi descrevia-o como uma pessoa que estava sempre isolada, com graves problemas de comunicação e empatia. Assim, a sua inteligência era utilizada para reforçar o seu ego e o seu poder manipulador.
O papel da ONU em Angola antes do eclodir do conflito armado após as eleições de 1992?
Para impulsionar o processo de paz Kofi Annan deslocou-se a Angola, em Março de 1997 e nomeou um representante especial, o maliano Alioune Blondin Beye considerado um diplomata de excelência no mundo, dado o seu elevado poder de comunicação.
Este Representante do Secretário-Geral da ONU em Angola tinha maioritariamente uma missão diplomática pois não havia na altura por parte das nações unidas em Angola qualquer poder militar. No processo de negociações, Leif refere ter existido da parte de Alioune Blondin Béye um ultimato a Savimbi a quem determina um corte de relações dado o não cumprimento das regras de Lusaka.
Após esta divergência, Alioune Blondin Béye morre devido a uma explosão do seu avião em circunstâncias nunca totalmente esclarecidas. Segundo Leif há uma desconfiança de que a sabotagem aconteceu durante a paragem do avião para abastecimento de combustível no Togo. A explosão do avião foi tão intensa que praticamente não restaram quaisquer vestígios do mesmo, sendo o enterro de Alioune Blondin Beye meramente simbólico (enterro do seu documento de identificação).
Após a morte de Alioun Blondin Beye o que aconteceu?
A ONU reconheceu a inexistência de condições suficientes para a manutenção da paz e acabam por abandonar o país a pedido do Governo.
Depois deste incidente e posterior ao corte de relações com a ONU, Savimbi avança para Luanda demonstrando não ter procedido ao desarmamento necessário à paz conforme assinado no Acordo de Lusaka; Desta forma, reaparece com um exército de artilharia de longo alcance e veículos motorizados.
Confrontado com este exército da Unita o Presidente José Eduardo dos Santos e o governo da altura considerou que a ONU foi incompetente no processo de observação da paz, e pediu a retirada da ONU do território angolano.
No fundo, o sentimento de altura é de que o MPLA cumpria o acordo, mas Savimbi mantinha posições divergentes de acordo com a situação. E toda esta situação punha em risco a estabilidade do país tendo-se optado por “fazer a guerra para acabar com a guerra”.
Neste caso, Leif salienta que o MPLA teve nesta altura uma posição relativamente ingénua, até fraca, ao acreditar no cumprimento das regras de Lusaka por Savimbi. Assim, apanhados de surpresa desenvolvem a contra-relógio um plano de armamento hipotecando os recursos petrolíferos de Angola.
As forças de Savimbi conquistam Andulo, Bié e controlam o Huambo ficando mesmo às portas de Luanda. Após a destruição do armamento de longo alcance e da inutilização dos veículos motorizados também pela dificuldade de acesso ao combustível, inicia-se uma luta de guerrilha.
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