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domingo, 16 de agosto de 2009

Meninos feiticeiros! Não importa o passado...


“Não importa qual tenha sido o passado de uma pessoa: seu futuro é imaculado”.
Ditado popular

Perante o convite para ir ao Centro de Acolhimento de crianças em Palanca- Luanda fiquei assustada, pela enorme responsabilidade desse acto. Tinha medo de me sentir pequena perante aquelas almas destroçadas, perante cenários de miséria, medo...talvez de ser incapaz de me confrontar com mundos que só vejo nos noticiários e televisões. Mas, sacudi todo esse medo e aceitei com toda a responsabilidade o convite de um jovem estudante de medicina. Este, na cadeira de Saúde Comunitária acabou por travar conhecimento com o centro fundado pelo padre Horácio da instituição Verbo Divino e acabou por realizar um peditório que iria entregar aos meninos. Acabei, mais uma vez, numa sequência de acasos por ser convidada a participar na actividade.
Lá fomos da Maianga até a Palanca a ouvir Amália Rodrigues, intercalada por Kizomba. No carro quatro pessoas, felizes por irem realizar uma actividade meritória, mesmo após uma hora de engarrafamento tremendo. E finalmente chegamos a um pátio coberto de terra vermelha pontuado por um imbondeiro. Os muros pintados de amarelo escondiam um terreiro com árvores e pequenas edifícios de um piso onde as tarefas e as actividades do centro são conduzidas. Acho que ficamos todos agradavelmente surpreendidos pela modestia plena de dignidade de todo o espaço. As crianças correm num pequeno recinto de areia com duas balizas. Embora de dimensões reduzidas é muito útil ao exercício, ao convívio e à necessidade de ser criança daqueles senhores das ruas e da amargura da vida. Fiquei a vê-los até se juntarem a nós para a actividade agendada. Aderiram á actividade mas contrariados. Afinal, estavam a realizar uma actividade fundamental: Brincar...e o que é mais importante que a brincadeira? após entrarmos para o refeitório...ficaram ali a olhar para nós...e eu parada enchi-me de confiança. Foi quando o Edson se lembrou de direccionar a abertura do momento para mim. E, com todos aqueles olhos, àvidos de pressa para irem embora, virados para mim, não hesitei a forçar a minha voz baixa e fina para todos. A plateia não era fácil...
-"todos os dias falam, falam..." - percebi que apenas as palavras não movem aqueles corações. Estas crianças estavam cansadas de palavras e sedentas de amor, de explicações, de certezas e de atenção...não querem palavras. Reduzi a oratória a algumas linhas em que comecei por lhes reconhecer o mérito e o valor. Reconheci, também as dificuldades que os atormentam, mas que sabia que todos eles tinham um sonho. E que os queria ouvir dizer quais e que nunca iam desistir deles. E depois, como se precisasse de algo que me ajudasse a continuar, encaminhei os seus sonhos ao criador. Pois, porque a tarefa de os fazer continuar apesar dos pesares, não é fácil...quem sou eu para lhes pedir isso? Entreguei esse pedido a Deus...e vi alguns olhos abrirem-se mais, como que a perguntarem se existe mesmo! E eu disse: Porque Ele quer o melhor para todos nós...
Calei a minha voz, e esperei profundamente ter suscitado alguma esperança naquelas crianças corrompidas pela dor. Terminadas as apresentações, fomos perguntando um a um os seus nomes e as razões que os levaram às ruas, e por último qual o sonho de cada um.

Lá se foram abrindo e contando timidamente algumas coisas...mas a maior parte recusou-se a falar da família e das razões que os levaram lá...no entanto, os sonhos saltavam das suas bocas como hinos à esperança. Admiravelmente miúdos com limitações físicas queriam ser jogadores de futebol, alguns desejavam ser actores, outros jornalistas...e sem esperar havia um que queria ser batuqueiro! Mas confessou ter desistido desse sonho, pelo de ser padre. E eu na minha ignorância, disse-lhe mas podes ser um padre batuqueiro. E foi quando os olhares se viraram para mim!!!!
- Um Batuqueiro padre? Isso não pode ser!
-Porque não?
-Um padre assaltante!? Onde já se viu...dizia alguém enquanto a sala se libertava numa grande risada.
-Ooppps! isso não pode ser...disse a rir!

Um comentário:

Anônimo disse...

Embora seja leigo na materia em questão não resití, apôs leitura, em referir em pequenas linhas que admira-me o gênio da Rainha das Lundas (Lueji Dharma)em conseguir transmitir, o pequeno momento que viveu com os meninos do centro do Padre Orácio, com muita classe e estilo literário os factos que aí ocorreram, e pene é que coisas como acusar crianças de feiticeirase continuam a fazer morada entre nós e em Luanda.
É muito grave.
É um male que infelizmente vem ganhando contornos alarmantes.
E é muito bom que pessoas com capacidade de mostrar com "palavras escritas" visitem sitios como estes para terem noção real dos factos e consigam divulgar estas práticas orrendas para vêr se consegue-se acabar com este mal.
E este blogg é um bom começo e ... Força L.Dharma continue a esplorar este teu gênio literário que promete.