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sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Novo livro: A Dama do Véu!

O Nome do Bar
Ela estava furiosa com esse tal de Balthazar. Mandaram-na investigar um crime e a testemunha principal desconhecia o nome do bar onde passava as noites há pelo menos dois anos. Que raio de homem era aquele?! Ainda por cima pedia-lhe que o chamasse de Balthazar sem que esse fosse o seu nome verdadeiro. Porra para estes gajos! E quem era a gaja que jazia morta no chão frio daquele bar completamente gorduroso e baço? Ainda não tinha tido vontade de levantar o lençol que tapava o corpo. Evitava tocar nos objectos que ali se encontravam pois pressentia que se colaria a ela uma massa viscosa resultante da mistura de fumo, gordura de fritos, hálito alcoólico e suor de corpos extenuados em dias de trabalho árduo!
- Mas como se chama este bar afinal? – virou-se ela para o suposto dono do bar que encolhia os ombros. Balthazar olhava incrédulo para o barman : também ele não sabia? – questionava-se.
- Heineken? – rematou Balthazar para quebrar o silêncio incómodo que aquela situação causava.
-Não creio! – retorquiu a inspectora, enquanto fazia soar os saltos das botas de cano alto sobre o pavimento em direcção à rua. A porta de madeira ao estilo dos ranchos americanos rangeu ruidosamente enquanto ela saía em direcção à calçada de basalto e calcário que compunha a rua da Baixa Pombalina. Conseguiam ouvir o toc toc dos saltos sobre a calçada enquanto ela dizia qualquer coisa a alguém. Parecia estar ao telefone.
- Bem que me apetecia ficar em casa hoje. Mas algo me disse para vir ver o jogo do Benfica neste bar. Ao qual chamo o Bar! – suspirou Balthazar esgotado daquela situação.
-Eu também sempre o chamo de Bar… aliás toda a gente o chama de Bar! – disse o barman a encolher os ombros. Os restantes clientes também anuíram perante aquele desabafo.
-Agora queremos ir para casa… mas parece que a noite vai ser longa. Esta maluca parece que quer passar aqui a noite… ainda não viu o corpo e apenas está preocupada com o nome do bar - retorquiu o cliente motoqueiro que era presença assídua daquele bar.
-Do nome do bar até o nome da vítima, podemos passar aqui noites – riu-se Balthazar sem encontrar reciprocidade nos outros hóspedes à força daquele bar.
-Eu penso que tu é que deves ficar; és a testemunha principal. Foste tu que encontraste o corpo. Nós apenas poderíamos deixar os nomes, e ser chamados em função do teu depoimento. – disse o motoqueiro de forma expedita.
-Concordo - disse a única cliente do bar, para espanto de Balthazar que se via preso a um corpo que tivera o azar de encontrar e conhecer numa noite. Apaixonara-se pela sua inocência, mas nada o fazia prever esta morte. Uma morte que tinha os requintes de homicídio.
-Não é bem assim! A verdade é que todos somos suspeitos deste crime. E talvez, eu seja o menos suspeito – contornou Balthazar a estratégia dos outros. Eu só conheci esta rapariga neste bar. E vocês?
-Eu também! – responderam em coro irritados.
-Eu nem a vi morta ou viva. Só sei que está aqui um corpo neste espaço e mais nada – confirmou a cliente derramando as últimas gotas do copo de gin tónico na boca. Será que ainda podes servir outro? – questionou ela ao barman.
-Nem sei! Terei de perguntar à inspectora que parece que não larga o telefone!
Calaram-se quando ouviram a porta a ranger, e os saltos baterem sobre o pavimento.
-Heineken é o nome da publicidade lá fora. Mas é o nome de uma cerveja e não do bar.
-Claro, claro – anuiu Balthazar a perceber a razão da sua confusão.
-Este bar está registado com o nome de a “Dama do véu” e o logótipo é a imagem de uma mulher com um véu a cobrir a face. Tive a observar e ainda se vê embora muito encoberta pela sujidade esse logótipo. Um véu cor-de-rosa que cobre a boca, o nariz e o cabelo. Apenas fica a descoberto os olhos azuis.
Balthazar caíu sobre a cadeira. A mulher que encontrara no chão da casa de banho tinha enrolado na face um véu cor-de-rosa. Na altura julgou que ela morrera sufocada… apenas isso. Um desmaio que a sufocara. Agora começava a sentir que poderia estar mesmo diante de um homicídio. E outra coincidência assentava na cor azul dos olhos da rapariga. Lembrava-se perfeitamente daquele olhar azul cuja cor ficava mais intensa com o corar da sua face. Sentia-se desfalecer num turbilhão de sentimentos. Afinal o que se estava a passar?
-Em que pensa? – cortou a inspectora friamente o pensamento de Balthazasar.
-A rapariga tinha um véu cor-de-rosa na face quando a encontrei.
A sala libertou uma exclamação seguida por um silêncio tumular cortado por leves arrepios. Um véu cor-de-rosa, uma mulher, a Dama do Véu! O nome do bar…
- Aconselho a que se mantenham calmamente nos vossos lugares. Vou averiguar novamente a cena do crime e já venho fazer as minhas perguntas… e tentar despachar-vos. Sei que querem todos ir para casa e eu não vos quero prender cá. Ela sabia que tinha de ter aquelas pessoas do seu lado para que o caso fosse resolvido de forma rápida. Teria que conquistar a maior parte deles e fazê-los falar o que ela precisava de ouvir. De preferência sem que eles se dessem conta que ela precisava do seu apoio. Tinha que os deixar à vontade para virem ter com ela e desabafarem. Ela só precisava estar atenta às verdadeiras intenções por detrás de cada confissão.
-Posso pedir ao barman outro gin tónico?
-E eu outra cerveja?
Antes de responder dirigiu-se ao bar e retirou a sua PDA com a qual registou fotograficamente todo o bar pela segunda vez. Tentou apanhar panorâmicas que mais tarde sabia poder juntar de forma a recriarem todo o espaço. Esse fazedor de espaços tratava-se de um programa informático que a esquadra havia adquirido. Aquele programa permitia recriar a sala numa estrutura tridimensional. O bar era refeito à imagem e semelhança daquele momento. Mas havia algo que o comum dos mortais desconhecia existir naquela máquina. Aquela máquina conseguia sentir intenções e a alma dos intervenientes. A máquina baseava-se na lei de que tudo no mundo é energia… e essa energia é quantificável e capaz de ser lida. Um processo complicado mas que permite recriar um mundo onde as consciências também são lidas.
-Pode sim, mas sem movimentar muitos objectos. Apenas o necessário - disse ela, sorrindo e conferindo uma palmada no ombro do barman. - Não tarda nada e estamos todos nas nossas caminhas.
A sala suspirou perante aquele súbito acesso de humanidade da inspectora. Quando ela entrou parecia estar prestes a mandar entrar uma matilha de cães para os comer e agora sem se saber porquê parecia estar imensamente preocupada com todos os intervenientes.
Ouviram-na afastar-se ao ritmo de flashs que saíam daquela espécie de telemóvel altamente tecnológico. Parecia uma simples folha de papel branco que tinha as funções que ela magicava na sua mente. Tinha um ar altamente vanguardista e ao mesmo tempo a simplicidade de uma folha de papel onde tudo pode ser criado e recriado.
- A dama do véu! – Entoou a cliente enquanto fazia deslizar o gin tónico na garganta seca.
-Tu que a conheceste ela disse como se chamava? - perguntou o motoqueiro ainda a sentir o peso da rejeição dessa dama do véu no corpo. Ele tinha a visto entrar e oferecera-se para lhe pagar um copo. Mas ela nem se dera ao trabalho de responder e sentara-se ao lado de Balthazar.
-Não disse o nome – respondeu prontamente Balthazar enquanto matava a sede numa garrafa de água gelada. O corpo todo tomava a forma do medo. Toda aquela situação retirava-o da sua órbita mundana. E sem saber bem porquê pressentia que ele seria o culpado de todo aquele crime. Conseguia ver-se a ser acusado de homicídio. Revia vezes sem conta os momentos anteriores à ida ao quarto de banho. E não conseguia ver outro culpado que não fosse ele. Não entrou e não saiu ninguém do bar.

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