"LUANDA, 10 a 30 de Março de 2007
Por incrível que pareça, o calor aqui é insuportável com níveis de humidade bastante elevados (80%) seja noite ou dia, faz sempre muito calor. Era sábado, 10 de Março de 2007 quando ás 20 horas passei a porta do Boeing 777 da Taag e pisei solo angolano depois de 26 anos na Europa. Em termos climáticos o choque foi colossal pois por mais que ainda me recordassem que estava bastante calor, regra geral nunca estamos suficientemente preparados para a diferença. Estavam 30º centígrados e um valor de humidade que rondava os 78% e tinha deixado para trás 8 horas antes os 10º de Lisboa.
Tecnicamente o aeroporto de Luanda parou no tempo não merecendo por isso nenhum tipo de reparo positivo uma vez que não reúne as condições mínimas sequer para ser apelidado de “porta de entrada no país das oportunidades”. O registo de entrada foi feito sem grande perda de tempo e a recolha da bagagem embora a pequena confusão junto ao tapete de recolha da mesma que se ia entupindo a saída também não chegou a causar desespero e mesmo o controlo de vídeo processou-se sem incidentes de maior. Havia uma pequena multidão que se concentrou mesmo á porta de saída da sala de desembarque que nos obrigava a uma pequena manobra de gincana com o carrinho da bagagem para não atingir ninguém ou perder parte dos pertences. Bem, depois, depois foi mesmo o início da odisseia no tráfego rodoviário isso sim uma autentica e real aventura para quem não está acostumado a estas andanças. Se a ordem emerge do caos, certamente que existe excepção a regra pois aqui tenho a certeza que este caos só pode gerar ainda mais caos, pois não existe pinga de ordem ou mesmo vontade de mudar esse mesmo caos não por falta de regras porque elas sempre existiram e todos os condutores as conhecem mas devido a grande massa de condutores e falta de espaço de locomoção e estacionamentos salve-se quem poder e impera a lei do buzinão, da chapa amolgada, faróis e farolins partidos ou açambarcados, o insulto directo, a agressão física e psicológica, as ameaças e intimidação sem deixar de falar no desrespeito por tudo e todos sem sequer ter sido deixada margem de manobra para sentimentalismos ou respeito pelos direitos humanos. A policia…Faz o que pode e onde quer que se encontrem agentes de serviço a ordem tem uma chance de existência por breves instantes. Apenas por breves instantes…
Kandongueiros! Esta espécie de condutores detém um poder quase que absoluto das estradas e espaços onde uma viatura possa circular (ou não) atestados de elementos e artigos ou produtos de toda a espécie e feitio sempre com muita pressa e absolutamente…senhores do asfalto. São normalmente da marca Toyota, Hiace o modelo e pintado de cor azul e braço, á pistola ou á mão, tanto faz que o importante é mesmo facturar e não há makas quanto a isso. Sempre a rolar, 50 Kwanzas a cabeça e “tem que emagrecer mana, emagrece pra kabere mais madiés, emagrece”, pois afinal de contas estão em causa mais de 1500 dolares semanais de ganho. E entra mais um a juntar aos quase 20 que lotam por completo o Hiace de vidros partidos, com abraçadeiras a fixarem os tampões das rodas, completamente amolgado e a suspensão batendo e batendo. São Paulo, Maianga, Maculusso, Morro Bento etc, etc. pelos buracos, valas, crateras lunares, passeios ou em contra-mão mas sempre a facturar. “Vamo fazere mais kumo então?”
Tenho a impressão de nunca ter visto um único autocarro de transporte de passageiros aqui em Luanda mas posso estar enganado, pouco mas posso, pois não vejo grande hipótese de isso acontecer na medida em que me parece ser do interesse do próprio “Sistema”montado que as coisas se mantenham assim por muito tempo com a Kandonga sempre a subir no mercado e a dominar a procura e oferta a seu bel’ prazer. “Vamos fazere mas kumu então? Angola é nossa.” Por 400 ou 500 Kwanzas queira ou não, os miúdos da rua lavam os automóveis carregados de poeira que se arrasta por toda a cidade sem dar tréguas aos seus habitantes já acostumados a estas situações. O mesmo não poderá dizer uma certa cidadã que mesmo por detrás do estádio da cidadela havia deixado o seu belo automóvel empoeirado para fazer compras ou resolver algum assunto mas a verdade, pelo menos assim me pareceu, é que nem sequer mandou lavar o seu carrinho e foi obrigada a pagar o serviço que não pediu sob graves ameaças a sua integridade física, com o individuo a atirar-se para cima do automóvel em movimento exigido o pagamento por ter lavado o carro mesmo sem o consentimento da proprietária. Lamentável e grave que isto possa acontecer. Esta anarquia geral parece-me segundo me fui apercebendo com o passar dos dias na cidade ter algumas regras entre os seus intervenientes locais que por exemplo identificam e catalogam com precisão quem é de confiança e quem é suspeito nunca correndo riscos desnecessários pois aqui o receio pela própria vida apesar do clima de paz, esse é constante e pude senti-lo no olhar camuflado de quem por vezes me acompanhava e de outros que casualmente se me cruzavam pelo caminho. Inferno para uns, menos afortunados e paraíso para outros em menor numero mas com uma diferença abismal entre ambos.
O lixo impera pelas ruas, vielas e calçadas, por tudo quanto é sitio ou canto sem que se tomem as devidas cautelas sanitárias para evitar contaminações, nos telhados dos prédios baixos, buracos, valas, riachos e esgotos ao ar livre e com um cheiro nauseabundo empestam toda a cidade sem excepção. Eu vi tudo isto, ninguém me contou como é, eu vi! Eu estou mesmo aqui e posso constatar e agora relatar. Ainda este calor que nos sufoca e asfixia a própria alma mas que nos diz também sem duvidas que estou em Angola. Sinto-me um pouco fora de orbita pois ainda não estou devidamente ambientado a este sistema sem normas dentro da normalidade que me dá grande volta ao cérebro mas mesmo assim saí de casa onde estou hospedado decidido a dar entrada do meu processo de pedido do meu B.I. de cidadão Angolano pois já a alguns dias que tenho em meu poder a certidão de assento de nascimento autenticada e por volta das 8.30 horas saímos de casa nos combatentes Av. Comandante Valódia e deixamos o miúdo na escolinha passando pela bomba de gasolina para abastecer a viatura, lá seguimos para o serviço de Identificação do Rangel. Ali a minha cunhada que me dava apoio entregou os meus dados e depois retirou-se para ao seu local de trabalho pois eu já estava orientado e agradecido pelo grande apoio. Estranhei o facto de não haver sala de espera e de os utentes terem de esperar na rua, ao sol ou chuva conforme as condições atmosféricas, neste caso foi debaixo de intensos 30º centigrados sem protecção e algumas horas de espera e graças a garrafa de água que levei de propósito na mochila para matar a sede e resistir ao intenso calor fui chamado e entrei para preenchimento da papelada. Assim foi e cumpri o estabelecido seguindo para um departamento mais pequeno onde uma senhora media a estatura e tirava as impressões digitais pelo que também foi rápido mas parece-me que a senhora estranhou o facto de eu ter ido tratar do B.I. pela 1ª vez e soltou com ar intrigado e irónico “só agora é que vai ter B.I. pela 1ª vez!? Possas!!! Apenas sorri levemente olhando-a e nem lhe dirigi palavra saindo de seguida para fora das instalações regressando aos combatentes pé ante pé aproveitando para me situar no espaço e passar por algumas lojas a procura de alguns produtos que tenho necessitado. Ah, entretanto deixem-me dizer-vos que neste processo de pedido do B.I. gastei em selos, impressos e gasosa 5 paus ou seja 5000 Kwanzas. Nesta caminhada uma vez mais vislumbrei toda a lixeira pelas ruas sem tratamento, pessoas que vendem agua em sacos de plástico, trocam dólares por kwanzas e vice-versa, gasosas, ginguba, kitaba, bananas, peixe fresco em bacias ou alguidares transportados a cabeça sob o sol ardente, e tudo isto rodeado de imenso lixo e moscas, sempre muitas moscas a acompanhar o ritmo e compasso da cidade. A cidade é uma autêntica fonte de contaminações ambulantes. Por todos os lugares e espaços, se descobrem variadas manifestações de autentica angolanidade e patriotismo mas penso que é apenas uma expressão de vaidade vazia pois ainda não vi sinais ou motivos sociais de que se possa valer esta vaidade e arrogância popular quando a miséria é rainha e imperatriz absoluta reinando de forma cruel e impiedosa com os mais fracos que se digladiam entre si a procura de um lugar ao sol ou de enganar o próximo. Estradas esburacadas, muitas crateras lunares sem fim a vista e pouca vontade de acabar com todas elas. Os prédios estão em mau estado de conservação sem água corrente, sem elevadores e com cabos eléctricos que atravessam ruas e avenidas de prédio para prédio, apartamento em apartamento sempre a biznar ou desenrascar luz nos awilos que são nossos kambas. A maior parte da estrutura habitacional está envelhecida superlotada e em absoluto descontrolo em termos de manutenção e higiene sendo que supostamente, não será de estranhar se a curto prazo algum destes habitats venha a ruir pois a segurança é praticamente nula. È necessário trabalhar desde já afim de evitar males maiores pois como já referi anteriormente também aqui a anarquia reina por todas as zonas com raríssimas excepções. Uma semana se passou e ainda nem sequer saí de Luanda por isso penso haver muito para ser visto e relatado. Hoje finalmente vi um autocarro ou machimbombo como lhe queiram chamar, mas ia tão vazio que desconfio não ter futuro definido por estas bandas. Em termos gerais posso dizer que é um lugar como tantos outros, mas com características específicas e particulares em função do contexto em que se encere todo o processo social, económico, político e histórico do quase país após a independência nacional. È contudo um processo complicado e com demasiadas incidências a todos os níveis que acabam por criar uma bola de neve por todas as vertentes no quase país, correcto, quase país, pois ainda restam grandes duvidas se isto é realmente um país. Extorsão a torto e a direito a luz do dia e em plena via pública, não pagas multa mas dá cá 2 paus. Preciso de um atestado de residência para poder requerer o passaporte e um documento que oficialmente custa 300 Kwanzas, passa a custar 3000 Kwanzas pois será 1000 para o segurança que me indica qual o individuo responsável pelos serviços, outros 1000 para este que leva o processo e dá um coro na Administradora dos serviços, ela assina a declaração de conformidade e em 30 minutos mais ou menos tenho o documento na mão, de outra forma seriam 2 ou 3 dias e não disponho desse tempo para poder resolver todos os meios assuntos por aqui com a devida celeridade. Tudo tem um preço em função daquilo que pretendamos obter. A extorsão, suborno e assédio são tão normalmente encarados que ninguém se importa com tais factos mesmo sendo eles praticados ou cometidos por agentes da autoridade policial. Estes agentes aguardam pacientemente as suas vitimas em qualquer rotunda, cruzamento ou em um qualquer acesso, esperando por um deslize ou descuido destes para entrarem em acção, isto é, relatam ao visado a infracção por eles cometida, solicitam a documentação do condutor e da viatura e coitado do ingénuo que entregue estes documentos as autoridades, então adeus pois é o primeiro passo para nunca mais voltar a velos. Tudo isto são manobras para no final fazerem os condutores avançar uns metros na via e assim receberem a dita gasosa por não passarem a multa equivalente a infracção cometida. Após receberem a gasosa, que normalmente é sempre 2 paus (2000 Kwanzas) 1000 Kz para cada agente, lá continua a rotina com toda a gente a ver o sucedido e a nada fazer para contrariar esta tendência. Tudo isto é normal, como dizem as pessoas com quem desabafo e comento o que acabo de presenciar. Isto é Angola.
São quase 11 horas da manhã, quando ao entrar na loja situada no r/c do edifício onde estou a residir por aqui, me apercebo de uma estranha correria pela rua com quitandeiras e Kinglas de um lado para o outro policia e alguns indivíduos a civil que iam confiscando todo o material que podiam e colocavam nas carrinhas e camionetas ali estacionadas aguardando o desfecho de mais uma acção de fiscalização pois é proibida a venda ambulante na via publica. Estranho porque em toda a cidade estão vendedores de porta em porta, esquina em esquina, em todas as estradas e acessos com os produtos na mão no meio de qualquer estrada vendendo de tudo um pouco sem ninguém intervir ou se manifestar contra o facto de não se cumprir a lei. Estranho também porque mesmo em frente ao nosso edifício aqui nos combatentes está um espaço designado por FEIRA N’GOMA, completamente vazio e ao abandono que poderia servir para uma praça ou local de venda para estas pessoas que precisam ganhar a vida desta forma e assim também ajudaria a retirar a kandonga das ruas da cidade e concentrava-a em local apropriado. Mas o espírito da kandonga e do desenrasca é tão grande que já só querem viver de eskema, apenas podem viver de eskema, não têm hipótese de sobreviver fora do eskema, porque o kumbo do ordenado é koxito e não dá p’ra nada mesmo. Vamo fazere mas kumo então?
Estranho, hoje dei por mim a pensar que 26 anos atrás quando deixei Angola, sentia na altura que seria para sempre. Hoje, apôs contemplar o vazio que se apoderou deste quase país, mesmo tendo voltado, tenho agora a certeza que na verdade não regressei, pois já eu próprio não sou a mesma criança nem Angola é o mesmo pedaço de terra que deixei. “Voltar é ilusão, estamos sempre indo” e posso garantir que mudei bastante, assim como o país que encontro é também diferente daquele que deixei uma eternidade atrás. Nesta perspectiva nada poderá continuar igual a medida que os ponteiros do relógio avançam e o dia dá lugar a noite para uma vez mais esta por sua vez dar o seu lugar a um outro dia nas nossas vidas. Os dias acordam calmos e reluzentes como pérolas protegidas por conchas que se escondem de correntes não desejadas. É o regresso ao sol ardente, ao transito louco e sem regras, as poeiras levadas pelo vento, ao suor em cada rosto, cada corpo, ao desanimo de não superar mais um dia de batalha porque algo correu mal, menos bem, assim-assim, as gasosas que alguns pagam para resolver os mambos da vida, os que recebem a dita gasosa todos contentes porque hoje o dia valeu, as crianças que correm na rua para a escola porque o futuro é incerto e está próximo, e afinal porque a luta continua senhor general, senhor comandante das tropas. Padrinho precisa de alguma coisa? - Tenho comandos da Sony, Sanyo, Universal, de televisão, de ar condicionado, de dvd, de aparelhagem, tenho cabos, pilhas, padrinho pode escolher a vontade, vou te fazer bom preço, vais ver só! Ténis da Puma, chinelos, limpa pára-brisas, Coca-Cola fresca, cuca, Super Bock, Cristal ou Carlsberg, padrinho escolhe só. Não tem Kwanzas?? Não tem maka, ta ali as kinglas, vou lhe chamar! Tia, vem só, troca o kumbu aqui do padrinho ya? Nota de 100 é quanto? – 8. Oito? Passa então! Padrinho vai levar o comando da Sony, dá em todas televisões da Sony, si nom dar pode vir pra trocar. Tó sempre aqui na zona, padrinho.
- Xé padrinho, esse bote tá embora bwé empoeirado, vou mandar um kanuko prá resolver o mambo no meu kota, fica embora tranquilo, meu kota.
Obrigado meu n’dengue, mas fala aí, onde é que há gasosa, Coca-Cola e Fanta laranja. Não tenho nada no kubiko, meu puto! – Mais adiantado vou lá mesmo no Roke que tão a paiar mais barato, vou trazer uma grade de cada no meu kota. – Ya meu puto, tó tá konfi ok? Leva já os kumbus do mambo e as kebras são pra ti. – Brigada padrinho, então vou bokuar! – E o ritmo da cidade continua igual a si mesmo, mais um buzinao, mais um acidente com chapa amolgada e muita discussão a mistura e os outros condutores a reclamar por estarem a empatar aquilo que por si só já é demasiado complicado. Lento e caricato, assim vai este quase país. As acácias, estas continuam rubras, centelhas como o sol ardente do meio dia, com multidões que se arrastam pelas estradas gastas e quase sem asfalto maltratadas por um ambiente que teima em não recuperar o que o tempo tenta apagar, que tarda em dar alento aos necessitados e aos incompreendidos do pós-guerra e deste novo mundo, desta terra das oportunidades que teima em não dar oportunidades aos seus filhos que por ela perderam a dignidade de ser alguém, até mesmo ser humano, pois me parece que muitos destes filhos mesmo estando vivos, á muito que deixaram de existir. São tempos difíceis na terra de todas as oportunidades que perdeu a sua identidade, o seu orgulho e assim se torna mais pobre a cada dia, necessitada pois não é capaz de sarar suas feridas que sangram, de secar suas lágrimas que correm e inundam os rios, de exorcizar os medos e fantasmas do passado sem contudo criar novos medos e fantasmas, processos pouco claros de ascensão ao poder, pois a queda pode ser vertiginosa tal como a história nos tem testemunhado século ante século, novos Congos, Ruandas, Haitis ou novas Somálias. Será apenas terra das oportunidades para aqueles que maltrataram o seu próprio povo e encontraram aqui o seu bunker, para os que cometeram crimes de guerra no seu país e não foram responsabilizados pelas milhares de mortes cometidas a seu mando, para os que cometeram fraudes nos seus países europeus e aqui encontraram um paraíso fiscal com todas as mordomias, para os que saíram das Asias superlotadas e aqui lideram o mercado comercial de moveis, de obras publicas e mão de obra, de pesquisa, de exploração, de captação, e de riqueza adquirida, pois a pobreza e a miséria, estas têm destinatário fixo, no Cazenga, no Roque, no Huambo, Bié, Menongue, Luena e um sem fim de províncias que esperam por uma oportunidade de melhores dias. O poeta diz;
“Velha Xica de Angola, é mulher tradicional
Nunca pediu esmola porque parece mal
Tem força para trabalhar, e excelente coração
Lavar a roupa e passar, bem sujeita a escravidão!
No fundo, no fundo…Espera vida melhor,
Confiou no mundo, e nas graças do senhor,
Confiar não vale a pena, seja mesmo resoluta
Outrora foste serena, hoje fizeram-te puta!
Velha Xica dos carrapitos,
seus cabelos empoeirados…
uma data de maridos,
todos eles endiabrados!!!
As vezes leva porrada,
Mas de pressa se esqueceu!
Hoje a morte não nos venceu, nem o cansaço e nem mesmo o desânimo por não ter sido ainda o momento em que tudo melhorou, e saímos sorrindo mesmo assim, pois existe lá fora muito terreno para ser palmilhado. Aqui, poucas pessoas têm a sorte em ganhar mais de 100 dólares Americanos por mês de trabalho, (e isso já é um grande privilégio) e pouquíssimos ultrapassam a barreira psicológica de 1000 dólares mensais o que ao câmbio actual (Março de 2007) equivale a 80.000 Kwanzas mais ou menos.
Por outro lado, estou ainda por perceber porque é que um país produtor de petróleo tem tanta dificuldade em fornecer combustíveis á população em geral, pois vejo os postos de abastecimento mais tempo encerrados do que a funcionar normalmente e quando funcionam as filas para abastecimento são enormes levando ao desespero de quem procura chegar a casa o mais rapidamente possível, isto é, antes de anoitecer. Será pelo facto de o fornecimento de combustíveis ser exclusivamente detido por apenas uma empresa? Será que esta empresa não dispõe de condições suficientes para satisfazer a procura no mercado que domina? A produção nacional não é suficiente ou a sua refinaria não tem capacidade de resposta face ao constante aumento de procura e de consumo? Procuremos então uma solução viável para esta questão.
Quem passa pelo Miramar ou pela marginal e até mesmo indo dar um passeio pela ilha, facilmente constata as dificuldades de escoamento, por parte do porto de Luanda com inúmeros navios ao largo, aguardando ordem de atracar e assim esvaziar os contentores repletos de produtos importados sabe-se lá de onde e em que condições. Todos procuram uma oportunidade de voltar a ser gente, gente com futuro e não seres mesclados de lixo e miséria, nos musseques ou nas ravinas atoladas em entulho, fugindo ao mosquito ou evitando o perigo de uma maldita infecção não desejada. Não sei ao certo se serão cinco milhões ou se serão oito ou nove milhões, mas tenho a certeza que é muita gente, muitos carros, muitos jipes na rua, ah e muitos kandongueiros, azuis e brancos que rodam por toda a parte como sanguessugas, abutrisando suas presas sem apelo nem agravo. Miséria, muita miséria, e os portadores, os envenenados por essa miséria, eles estão entre nós. Na berma da estrada, a beira dos prédios, na via publica e em cada habitação, o barulho causada pela música em alto som, marca o compasso e o ritmo de cada dia kizombando e sembando sem que alguém possa por em causa a felicidade estampada no rosto daqueles que passam, das crianças que correm para a escola e para casa, dos kandongueiros imperadores da estrada, das kinglas, das zungueiras, dos mutilados e daqueles que usam um uniforme com um dístico impresso e se dizem seguranças. Muitos portugueses chegam, ou regressam apôs longos anos de ausência devido a falta de segurança, libaneses, brasileiros e sim, os americanos também, um pouco mais a parte de tudo mas estes também estão cá. Arrogantes e prepotentes nas suas casas a saída da cidade com muros altos e bastante arame farpado a mistura. Autênticos bunkers. Parece-me que o belo e encantado miradouro da lua perdeu a sua magia e ternura naturais tal qual uma criança perde o sorriso.
“ Naquela roça grande tem café maduro
E é o suor do meu rosto, que rega as plantações…”
O café, vai ser pisado…torrado, torturado…
Vai ficar negro, negro da cor do contratado!
Sem duvida os trinta anos de guerra deixaram marcas profundas e cicatrizes tatuadas no rosto fatigado deste povo, que maioritariamente Ainda não adquiriu competências necessárias para poder sobreviver no dia a seguir a tormenta, mas que teima em encontrar mecanismos para se desenrascar dia após dia, porque aqui a vida é isso mesmo…um dia de cada vez e nada mais. Os angolanos que identifico em Lisboa ou Paris e até mesmo Londres, estão muito distantes destes que vislumbro neste quase país das oportunidades. Não sei se me tenho repetido ao abordar os temas mas é um bocado difícil manter o raciocínio neste turbilhão de incertezas e desorganização geral em que este quase país se encontra. Tudo tem um alto preço. Por vezes o preço é a própria vida que para uns nada vale e para outros tudo vale. Meu deus. Como chegamos aqui? E como sairemos desta fogueira das vaidades? Para mim, torna-se difícil não estranhar determinadas atitudes “normais” por aqui, quando está em causa uma vida humana. Só vejo egoísmo e ganância por todo o lado, só ganância, só egoísmo. Ah, afinal isto é africa e não me posso esquecer deste pormenor. Parece que em africa quem detém o poder a semelhança da vida selvagem, isto é, o mais forte acaba predominando sempre, seja ele bom ou mau, e por incrível que pareça e se não me falha a memoria histórica, os bons acabaram quase sempre assassinados, aniquilados, e os maus mais poderosos e donos de cada país com a cumplicidade de alguns senhores da guerra do nosso mundo civilizado.Mas nem tudo é mau, tão mau assim que nos possa hipotecar a esperança de um futuro melhor para nós. E quanto a isso nada melhor do que um passeio pela ilha, uma Cuca fresquinha no Bay in, uma tarde bem passada no Jango Veleiro com uns magníficos grelhados, um copito refrescante no Miami, a noite uma curva no Palos e uma dança caliente na Kianda, um karaokezinho no La Vigia, e uma visita ao meu kamba Pedro até ao Xiadinho, que é um encanto. Cinco estrelas para estas casas em termos de ambiente e acolhimento. Muita animação e desbunda total pela noite dentro com boa musica e tudo a rolar como manda o figurino. Uma boa kizomba, um zouk malandro e a coisa começa a bater forte. Tamos mesmo na banda…"
Texto cedido pelo Kamba "LC"
quarta-feira, 26 de novembro de 2008
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